Vivemos e clinicamos no tempo da medicina de precisão, pelo menos ao meu ver, o embrião daquilo que se tornará nas próximas décadas, mas vocês realmente percebem o impacto que isso já causou na oncologia?
Como exemplo clássico mas não me restringindo apenas a este órgão, falemos um pouco daquele que se destaca como primogênito da genômica aplicada ao tratamento real: câncer de pulmão com metástases, e mais recentemente, até mesmo ele sem as metástases. Explico a seguir.
O algoritmo de tratamento para Câncer de Pulmão do tipo Não Pequenas Células (NSCLC) avançado, ou seja, o metastático, evoluiu dramaticamente nos últimos anos. Aprovações de vários novos agentes direcionados para pacientes com mutações ou alterações especificas do ciclo celular de reprodução destas células malignas, além de testes para pelo menos 7 genes, cada um com medicações alvo para os mesmos.
Para pacientes cujos tumores não abrigam uma alvo molecular ou mutação genética, comum nos casos dos tabagistas por exemplo, a imunoterapia – medicamentos capazes de melhorar a percepção do nosso próprio sistema imune em reconhecer e destruir as células malignas fora do padrão, se tornou o pilar do tratamento. É justamente nesse ponto onde não mais importa o órgão ou tecido, e já em prática para algumas neoplasias, manipularemos o reconhecimento das nossas próprias células de defesa para tratamento do câncer.
A imunoterapia melhorou a sobrevida do NSCLC avançado, com media agora variando entre 14 meses a mais de 2 anos (na década de 90 chegávamos a 6 meses), sem contar os anos extras caso também possuir alvo em algum daqueles testes mencionados acima. Ótimo; compreendido que nesse contexto avançado, a sobrevida mais que triplicou chegando ultrapassar doenças não oncológicas – dialítico por rim terminal à doença cardio-vascular por exemplo, a causa mais comum dessa terapia por sinal. Mas e a melhora na chance de cura naqueles que não possuíam metástases e são operados? Houve mudança?
A resposta é sim, como no estudo ADAURA, de forma simplificada, comprovou que terapia alvo para quem possuir mutação EGFR nos pacientes com CA de pulmão inicial e deleções no exon 19 ou mutações no exon 21 L858R, operados com ressecção completa, o desfecho “recidiva” nem pôde ainda ser mensurado (grande maioria curou?), enquanto quem não recebeu a terapia, a mediana para reaparecer o câncer foi de 19,6 meses (lembro que nos 2 grupos, todos estavam recebendo tratamento com intuito e chance de cura, e reforço ainda, que talvez esses números sejam melhores do que quem receba quimioterapia tradicional, sem passar pela toxicidade e riscos). Assim como o ADAURA o fez para mEGFR, para imunoterapia, os estudos ANVIL, PEARLS e BR31, e ACCIO estão em andamento, mas o IMpower010 já demonstra o benefício comparado a quimioterapia citotóxica sozinha, naqueles sem mutação.
Estudo ainda em andamento, CheckMate 816, avaliando introduzir a imunoterapia junto da quimioterapia padrão naqueles casos que precisam desse tratamento antes da tentativa de cirurgia curativa do pulmão, já demonstra dados interessantes até para outras áreas: houve mais pacientes que puderam se submeter à cirurgia de preservação do pulmão, e menos pacientes tiveram cancelamento da cirurgia devido progressão da doença. E quanto a resposta e sobrevida? A taxa de resposta completa melhorou 10 vezes, índice dificilmente visto anteriormente, o que provavelmente irá impactar positivamente a chance de cura.
Em resumo, em contraste aos resultados decepcionantes em pacientes com tumores que albergam mutações/fusões/translocações alvo específicas em alguns tipos de genes, quando tratados com os padrões sem individualização, e também com benefício limitado para imunoterapia nestes casos, estamos diante de uma medicina de precisão e individualizada, não somente na oncologia, que trará excelentes resultados como aqueles comentados aqui, tanto para terapia alvo especifica, quanto para imunoterapia associada ou não aos agentes quimioterápicos. Essa pratica já esta sendo amplamente utilizada por alguns de nós há alguns anos!