Em dezembro de 2019, surgiu na China a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 que rapidamente se disseminou pelo mundo provocando mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas nunca antes imaginadas. No dia 26 de fevereiro foi diagnosticado o primeiro caso no Brasil em um paciente que retornou de viagem da Itália. Em 11 de março a Organização MS declarou o estado de pandemia.
A Covid-19 revelou-se uma doença complexa, com alta transmissibilidade, altas taxas morbidade e mortalidade considerável especialmente em idosos e pacientes com comorbidades, o que culminou em um dilema: a alta demanda por serviços de saúde versus a capacidade dos sistemas de saúde.
A cirurgia foi uma das especialidades mais afetadas pela pandemia e houve a necessidade de realizar várias adaptações para garantir que as operações acontecessem de forma segura, além de adiar grande parte das cirurgias eletivas (operações que não são urgentes). Então várias ações foram adotadas com o objetivo de proteger o paciente e a equipe de saúde.
Sendo assim, o protocolo de Cirurgia Segura da Organização Mundial de Saúde foi fundamental especialmente nas unidades hospitalares que já o aplicavam em sua rotina. Além disso, outras medidas importantes foram tomadas como o desenvolvimento de um plano claro agendamento de cirurgias que poderiam ser adiadas como é o caso dos procedimentos estéticos e, por outro lado, a realização de procedimentos mesmo não urgentes, que não poderia ser adiado por muito tempo como as cirurgias oncológicas. Outro procedimento importante foi preparo da equipe cirúrgica para manuseio dos equipamentos de proteção individual e instrumentais cirúrgicos. Testes diagnósticos de Covid 19 no pré operatório de cirurgias eletivas, dentre outras medidas.
Procedimentos cirúrgicos foram planejados para ocorrer com a menor duração possível, com menor contaminação e sangramento. Certificando-se de que todo material necessário para o procedimento esteja na sala para evitar o fluxo do circulante para dentro da sala.
Na cirurgia videolaparoscópica, devido ao ar (gás carbônico) que é injetado no abdome do paciente, medidas de proteção foram realizadas evitando fluxo de aerossóis para a equipe. Alguns autores defendem a possibilidade teórica de disseminação viral a partir do ar utilizado nas cirurgias de vídeo, mas não há evidências de que isso ocorra de maneira maior do que a cirurgia convencional (aberta).
O uso dos bisturis elétricos também foram usados de forma mais racional devido a possibilidade de contaminação pela fumaça dispersada, assim utilizamos uma potência mais baixa e aspiradores evitando teoricamente a dispersão.
Nas cirurgias de transplante, ocorreu no Brasil uma redução de 40% na doação de órgãos provenientes de doadores mortos durante a pandemia e os transplantes com doadores vivos foram suspensos. O motivo não se restringiu apenas a questões relacionadas a doadores ou beneficiários, mas também à total utilização dos recursos de saúde nas localidades onde a intensidade dos casos excedeu a capacidade disponível.
Outro impacto importante foi nos diagnósticos tardios de doenças potencialmente fatais ou incapacitantes. Para a área da cirurgia geral a curto prazo doenças chamadas inflamatórias como a apendicite e colecistite (inflamação da vesícula biliar) tardiamente diagnosticadas geraram complicações importantes e até óbitos. E a longo prazo, doenças como câncer foram diagnosticadas em um fase tardia e muitas vezes já fora de possibilidades terapêuticas. Embora ainda não tenhamos, até o momento, dados estatísticos que corroborem esse efeito negativo da pandemia sobre as doenças que demandaram tratamento cirúrgico, é o que temos visto na prática.
Sem dúvida, aprendemos muitas lições com a pandemia de Covid-19 que permanecerão na rotina dos procedimentos cirúrgicos e na prática clínica no período pré e pós operatório.